
Exploração empresarial da locação de imóveis residenciais
Instabilidade econômica; crises habitacionais; maior ou menor oferta e demanda de imóveis para locação, além de outros fatores observados no decorrer do tempo fazem com que as diversas leis do inquilinato, na busca do equilíbrio em cada época, tenham o chamado movimento pendular: favorecendo mais o locatário em certos momentos; e o locador em outros, principalmente através da restrição ou da facilitação, conforme o caso, do direito de retomada do imóvel ou do despejo. Dessa forma o Estado faz a sua intervenção no contrato de locação, dirigindo-o para um lado ou para outro, conforme o interesse social a ser tutelado.
Assim, para quem tenciona projetar novos negócios ligados à exploração empresarial da locação de imóvel urbano, é de fundamental importância ter consciência do risco de alteração da legislação, com mudança das regras do jogo no curso de seus empreendimentos e contratos. Mas, esse risco de inovação é tanto menor quanto maior for a estabilidade institucional e econômica.
A retomada do imóvel nas locações residenciais, outrora tão difícil, atualmente é relativamente tranquila, se forem bem escolhidas as cláusulas contratuais, o que se constitui em incentivo à exploração empresarial dessa modalidade.
A locação de imóvel urbano como atividade-fim, como objetivo último e em larga escala, com caráter empresarial, não é novidade no Brasil. Tradicionalmente, grandes proprietários de imóveis, embora em pequenos grupos ou em grupos familiares, organizam-se em sociedades ditas imobiliárias.
Todavia, a massificação de investimentos nessas sociedades imobiliárias, ensejando a mais pessoas a participação na ampla exploração da locação residencial, não é comum, tratando-se de negócio efetivamente a ser desenvolvido.
Sociedades podem ser constituídas, com vários sócios ou acionistas, inserindo-se em seus contratos sociais ou estatutos os escopos de aquisição de direitos (pessoais ou reais) sobre imóveis, a sua locação, a administração e a aplicação das respectivas rendas; a apuração e a distribuição de lucros etc.. Existem manifestas vantagens tributárias nessa organização societária, em comparação com a prática dessa mesma atividade sem esse planejamento.
As vantagens tributárias também se estendem às situações de transferência do patrimônio imobiliário e rendas indiretamente, isto é, mediante cessão ou circulação de quotas sociais, ações etc., inclusive através de transformações das sociedades, fusão, incorporação ou cisão, total ou parcial. Vários ajustes podem ser levados a efeito por acordos entre participantes.
Operações de integralização, aumento e redução de capital através de bens imóveis ou rendas imobiliárias normalmente são menos formais e custosas no âmbito societário, quando comparadas com atos de transferência direta, pura e simples, de imóveis, envolvendo escritura pública, registro de imóveis etc.. Diminuem, também, a possibilidade de interferência de terceiros e, principalmente, de locatários e usuários dos imóveis.
Exemplo disso está no art. 32 da Lei do Inquilinato, o qual, expressamente, exclui o direito de preferência do inquilino na aquisição do bem, em igualdade de condições com terceiros, nos casos de “integralização de capital, cisão, fusão e incorporação”.
A responsabilidade dos sócios ou acionistas, da sociedade locadora, é limitada ao capital social integralizado ou ao valor das ações, por danos causados, havendo, assim, restrição de riscos envolvendo responsabilidade civil contratual ou extracontratual. Outro risco fica diluído, isto é, o de interrupção de renda por vacância ou desocupação de imóveis, por determinados e longos períodos, porque, embora alguns bens possam estar vazios; outros, sempre, teoricamente, estarão rendendo etc..
Se a intenção é construir edifício para locação e não para venda, a sociedade fica dispensada do prévio desenvolvimento de incorporação imobiliária e da constituição do condomínio edilício, com todos os seus custos, formalidades, registros etc.. Se a massificação diz respeito a investimentos em ações ou quotas de sociedade locadora, não se tratando de promessa de venda e compra de imóvel com edificação a ser construída, com captação imediata de poupança popular, a atividade não se confunde com incorporação imobiliária e não se sujeita aos rigores da respectiva lei.
Outra consideração importante: para ser locador não é necessário ser proprietário de imóvel. A imobilização de capital pode ser minimizada. É preciso, tão somente, ter a posse justa, poder físico sobre determinado bem, normalmente obtido por concessão expressa e manifestação de vontade do proprietário ou de quem tenha direito a ela, mediante celebração de contrato, aquisição de direito pessoal ou real à exploração de certo imóvel. Isso abre um vasto leque de possibilidades. Vários institutos jurídicos podem ser utilizados, desde o comodato até a anticrese e o direito de superfície, passando por usufruto, pela constituição de renda e pela própria locação (com posterior sublocação) etc..
Normalmente, entende-se que o Código de Defesa do Consumidor não se aplica ao contrato de locação de imóvel urbano, regido por lei especial, ou seja, pela Lei do Inquilinato. Independente de ser ou não regulado por lei própria, é fato que não caracteriza relação de consumo a atividade eventual ou, embora habitual, não profissional, de locação de um ou mais imóveis, para obter renda, o que é bastante comum. Todavia, existe sério risco de que a atividade profissionalizada, habitual, empresarial, economicamente organizada de locação de imóveis urbanos residenciais possa levar à ideia do locador como fornecedor e do locatário como consumidor final do produto, que seria o imóvel locado para morar, ensejando, assim, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Isso exige mais clareza e perícia na redação das cláusulas contratuais, com necessidade de maior esforço de interpretação para compatibilizar o Código de Defesa do Consumidor com a Lei do Inquilinato.
Várias sociedades podem ser utilizadas para assumir funções e posições diversas em relação ao imóvel, aos contratos, perante o Estado, os locatários e terceiros. Os institutos jurídicos à disposição são inúmeros e são eles os instrumentos que devem ser usados como mecanismos de proteção.
Não se submete à Lei do Inquilinato a ocupação de compartimento de edifício, como hóspede, no âmbito da hotelaria, inclusive nos casos de “flat”, “apart-hotel” etc., constituído ou não sob a forma de condomínio edilício.
Nos últimos anos foi possível notar um claro movimento de conversão de convenções condominiais para o modelo típico de condomínio edilício, excluindo-se a obrigatoriedade ou mesmo a concomitância do sistema hoteleiro. Nada impede que, mesmo sem condomínio edilício e retorno da hotelaria em convenção, um edifício residencial seja locado e administrado com inteligência por uma ou mais sociedades especializadas, prevendo serviços opcionais, mediante contratos distintos e independentes em relação ao de locação, por exemplo.
A excelente estruturação e o correto planejamento desse negócio dependerão, certamente, de amplo e profundo conhecimento jurídico nas áreas contratual-imobiliária, societária e tributária. Profissionalismo e cuidado na gestão, muitas vezes esquecida, de contratos relativos às rendas, incluindo regularidade na realização de reajustes e revisões periódicas indispensáveis, podem aumentar exponencialmente os lucros. A prospecção de negócios ligados à locação imobiliária urbana, mesmo a residencial, em escala empresarial, sem dúvida deve pressupor administração, circulação de imóveis e das respectivas rendas por meio de estruturas societárias, por tornarem a atividade teoricamente mais ágil e lucrativa, além de menos arriscada.
Paulo Eduardo Fucci
21.8.2013